(Juliana Tavares)
Se você dá aulas de língua estrangeira há tempo suficiente (e esse
tempo nem precisa ser tão longo), você provavelmente já se envolveu em
algum tipo de discussão sobre usar ou não usar a língua materna na sala
de aula, o quanto usar a língua materna, quando usar a língua materna,
ou ainda a hora de certa de parar de usar a língua materna (mais ou
menos como aquelas conversas entre mães sobre quando tirar a fralda, ha,
ha, ha!). Conversas desse tipo são recorrentes e sempre geram
controvérsias. A verdade é que cada um tem sua própria teoria sobre o
assunto e, na maioria das vezes, acabamos mesmo agindo por instinto. Mas
será que não podemos aprimorar esse uso?
No final das contas, a questão que acaba sempre pairando no ar é:
precisamos usar a L1 tanto quanto às vezes usamos? Essa questão, por sua
vez, nos leva a refletir: há mesmo necessidade de se usar a L2 o tempo
todo?
Para falar sobre o assunto com um pouco mais de, digamos,
"autoridade", vou fazer um recorte em nosso vasto universo do ensino de
línguas, no qual destacarei o inglês no Ensino Fundamental I, ou seja, o
inglês da escola para os pequenos-não-tão-pequenos. E eu faço esse
recorte justamente porque creio que cada realidade é uma, cada objetivo é
um, cada faixa etária é uma. Tenho também consciência de que, dentro
desse recorte, há uma infinidade de realidades bastante distintas, mas
acho que somente o fato de delimitar meu público um pouquinho já pode
nos ajudar.
Também falo do ponto de vista de alguém que hoje observa aulas, mas
que já esteve, por muito tempo, do outro lado. A vantagem de se observar
é que podemos oferecer ao professor um ponto de vista de quem está do
lado de fora da interação e observa todo potencial existente naquela
sala, com aqueles alunos. Creio que eu e a Louise já falamos muito aqui a
respeito do que pensamos sobre observação de aula e como ela é
essencial para que o coordenador conheça as necessidades de sua equipe e
acompanhe de perto o desenvolvimento de cada professor.
Enfim, voltando à nossa questão: dentro do recorte delimitado e
tomando por base a experiência e a observação, como fica a questão do
uso da língua materna?
Se nos colocarmos no lugar de uma criança de 6 anos, no primeiro ano
do Ensino Fundamental, que chega à sala de aula e se depara com a
professora falando inglês o tempo todo, é possível entender se essa
criança de repente quiser sair correndo, ou começar a chorar, ou ainda a
rir sem parar e não levar nada a sério simplesmente porque ela não sabe o que está acontecendo na maior parte do tempo.
Este é um típico exemplo do exagero, do extremo oposto. Há que se
conceder um tempo de adaptação para os pequenos, dentro do qual se
ensina como vai ser, trabalha-se para que a criança se sinta confortável
naquele ambiente e entenda o código estabelecido: na hora da aula, na
hora de aprender, vamos falar o máximo possível em inglês. Quer dizer, o
professor vai falar em inglês, porque os alunos, obviamente, ainda não
conseguem e nem possuem insumo suficiente para isso. Entretanto, é
essencial que trabalhemos sempre com a ideia da progressão: o que posso
esperar que meus alunos que hoje ingressam no primeiro ano do FI sejam
capazes de compreender e produzir ao final do ano letivo?
Sabemos também que nas demonstrações de afeto e em situações nas
quais ainda se está construindo vínculos com os alunos, a língua materna
é bem mais eficaz; em situações nas quais temos que lidar com problemas
de comportamento, ela é muito mais rápida. É quase como se, ao usar a
língua estrangeira, o professor estivesse incorporando uma personagem
para um faz-de-conta e ao usar a LM, esse personagem dá lugar ao
professor “de verdade”. É claro que isso aos poucos diminui, conforme a
interação na língua estrangeira se torna mais natural. Mas é preciso
tempo, paciência e a noção da progressão sobre a qual falamos acima.
Além da necessidade de se ter sempre em mente a progressão dos
alunos, é preciso também trabalhar arduamente para se manter a interação
na língua estrangeira como algo realmente eficiente para o aprendizado.
Há que se ter muito cuidado com a linguagem: não é bom para os alunos
facilitar demais e também não é bom se falarmos mais do que precisamos o
tempo todo. Facilitar significa usar menos palavras e simplificar a
linguagem, mas não significa falar demasiadamente devagar, modificando a
pronúncia das palavras (problema bastante comum) e estrutura das
sentenças para que os alunos “entendam”. Se vão entender algo somente
ali na sala de aula com aquele professor, de que adianta?
Outro problema comum está na necessidade que temos em sentir que o
aluno está entendendo tudo. Penso que faz parte do aprendizado que ele
não entenda tudo hoje, mas entenda um pouco mais amanhã e mais ainda
depois. Porém, essa construção só é possível se mantivermos a
consistência do uso da língua estrangeira. “Eles não entendem o que eu
digo” é um argumento muito superficial. E você ficaria surpreso em saber
o quanto os alunos nos entendem. Só precisamos dar a eles um pouco mais
de crédito e acreditar que é possível.
Vamos tentar?